A comunidade agro perdeu em janeiro o precursor do plantio direto no Brasil, técnica que revolucionou a agricultura brasileira e foi fundamental para o crescimento do país na área.
Herbert Bartz morreu aos 83 anos devido a complicações de uma pneumonia.
Descrito pela filha Marie como um homem de personalidade forte, teimoso e um ótimo contador de histórias, Bartz trouxe, dos Estados Unidos, na década de 70, a técnica de plantio que usa a rotação de culturas, a implementou em sua fazenda e depois viajou o Brasil a ensinando a outros agricultores 70, a técnica de plantio que usa a rotação de culturas, a implementou em sua fazenda e depois viajou o Brasil a ensinando a outros agricultores.
O que é plantio direto?
Em 2017, mais de 40 anos depois de sua chegada, o método, que em 1972 foi utilizado apenas em 180 hectares de Bartz, alcançou os 33 milhões em todo o país.
Isso representa 69,1% da áreas plantada do Brasil, de acordo com a pesquisa "Soil & Tillage" ("Soja e Cultivo" em tradução livre) da Elsevier, empresa de informações analíticas.
Ainda segundo o relatório, os estados de Mato Grosso e do Paraná são os que mais a utilizam, chegando a 86.6% e 81.9% respectivamente.
O plantio direto é considerado revolucionário, pois permite que o agricultor deixe de arar a terra, acabando com a sua erosão, além de tornar possível a produção de mais de uma cultura na mesma área, explica o pesquisador da unidade de soja da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Soja), Henrique Debiasi.
“É preciso utilizar um sistema de rotação de cultura, um sistema diversificado de produção, para gerar bastante palha e raiz para ativar o solo biologicamente e produzir cobertura”.
Segundo o pesquisador, a técnica é usada principalmente para a produção de grãos, como a soja e o milho, porém já existem algumas iniciativas com outras culturas, como a cana e o algodão.
Debiasi comenta que o plantio direto ajuda os agricultores a aumentarem a sua eficiência. Estima-se que produtividade da soja pode crescer de 30% a 40% com este método. Além disso, a terra é útil durante todo o ano por causa da rotação de culturas.
Outra vantagem desse sistema é que a água fica mais retida no solo, então, mesmo em períodos de seca, a plantação pode sobreviver. Com isso, o meio ambiente também lucra.
“O primeiro grande benefício é a diminuição na perda de água, solo, nutrientes e, inclusive, algumas moléculas de agrotóxicos pela água que escoava no solo, diminuindo a poluição dos rios, por causa da questão do assoreamento", explica o pesquisador da Embrapa Soja.
Assoreamento é o processo em que o leito de um rio se eleva devido ao cúmulo de sedimentos levados à água por causa das chuvas.
O plantio direto também ajuda a mitigar os gases do efeito estufa, diminuindo as emissões de óxido nitroso, composto químico presente, principalmente, em fertilizantes e causador de impactos negativos na camada de ozônio.
Além disso, segundo Debiasi, a terra serve como um "sequestrador" de carbono, mantendo-o preso ao solo.
A questão ambiental era uma preocupação de Herbert Bartz, como lembra sua filha Marie:
“Uma coisa que meu pai falava muito: ‘A natureza não aceita propina’. Então, não adianta a gente enganar, dar aquele jeitinho. Se a gente não fizer direito a conta vai chegar em algum momento”.
Como tudo começou
Segundo o autor do livro “Brasil possível: a biografia de Herbert Bartz”, Wilhan Santin, para entender como Bartz trouxe o plantio direto ao Brasil, é preciso conhecer a sua trajetória.
Nascido em 1937 na cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina, o agricultor se mudou para a Alemanha aos 2 anos de idade. Uma viagem que a principio seria rápida, apenas para um tratamento cardiológico de sua mãe, Johanna, se estendeu por anos devido ao início da 2° Guerra Mundial em 1939.
Durante a guerra, o produtor teve que conviver com a fome, a violência e os bombardeios. Antes do fim dela, seu pai foi convocado para as tropas alemãs, chegando a ser sequestrado pelo Exército Vermelho, como era conhecida a tropa russa, e ficando desaparecido por dois anos.
Depois do fim da guerra, em 1945, a família ainda continuou por um tempo na Alemanha e, incentivado pela mãe, o Bartz se dedicou aos estudos e colocou a mochila nas costas para conhecer o mundo.
O retorno ao Brasil aconteceu apenas em 1960, quando o agricultor, já com 23 anos, junto de seu pai e seus irmãos, foi morar em Rolândia, no Paraná. Na época, sua mãe já havia falecido.
Segundo Santin, o biografo do produtor rural, a cidade era um polo de recepção de alemães que vinham para o Brasil. Assim, mesmo sem nenhum elo com a agricultura, a família teve que aprender na prática a trabalhar com plantações.
A família Bartz comprou, então, uma fazenda de café, que devido às dificuldades do plantio, acabou sendo trocado pela soja, que também não foi fácil:
"A chuva, além de levar a semente, o adubo, tudo o que você tinha plantado, levava o solo. O Paraná perdia milhões de toneladas de solo àquela época”, conta Santin.
A última gota d'água
Em uma dessas noites de chuva, Bartz foi olhar a sua plantação. Chegando lá, ele assistiu a uma tromba d’água levar todo o seu cultivo embora. Esta imagem o fez acreditar que, se não encontrasse uma solução para este problema, em 10 ou 20 anos ele não teria mais solo para plantar, explica Santin.
Então ele começou a fazer contato com Rolf Derpsch. O agrônomo chileno e também filho de alemães tinha as mesmas angústias do produtor. A partir de conversas entre os dois, o agricultor descobriu que em outros países havia pesquisas sobre plantar em cima da palhada (palha de milho) e resolveu viajar para entendê-las.
Em 1971, o revolucionário foi para a universidade de Kentuck, nos Estados Unidos, onde conheceu Shirley Philips e Harry Young Jr., pesquisadores que já trabalhavam com plantio direto na palha. Após aprender a técnica com eles, Herbert encomendou as ferramentas necessárias para trazer o método ao Brasil.
Pioneiro ou louco?
Em 1972, Bartz, já de volta ao Brasil, começou a aplicar as técnicas de plantio direto em sua lavoura. Os vizinhos estranharam muito, narra Santin:
“Os vizinhos paravam para olhar e eles falavam assim do seu Herbert com dó, piedade: ‘Nossa, coitado do cara, ficou doido’.”
A suspeita com a nova metodologia também gerou um ataque dos agricultores da região ao pioneiro.
“Um vizinho colocou fogo na palha dele. Teve denúncia para Polícia Federal de o que ele estava fazendo era uma subversão e não era certo. A primeira colheita de soja dele em que deu certo a polícia apreendeu toda [a safra]”.
O jogo vira
Esse tipo de reação continuou acontecendo até 1973, quando ocorreu a crise do petróleo, que elevou o preço dos combustíveis.
O plantio direto exige menos uso do trator do que o plantio arado. Bartz contou para a reportagem do Globo Rural em 2013, que depois de adotar a técnica ele diminuiu o uso do óleo diesel de 10 mil litros para 3 mil por semeadura
Esta economia não passou despercebida pelos vizinhos, que começaram a se interessar pelo método.
Já em 1974 agricultores de Mauá da Serra, Paraná, foram os primeiros a recorrerem ao revolucionário. Depois, veio a população de Campos Gerais, em Ponta Grossa.
Entre esses novos discípulos havia dois nomes que virariam grandes aliados de Bartz: Manoel Pereira e Franke Dijkstra.
“Os três se uniram e fizeram um trabalho de formiguinha. Davam palestras e não cobravam nada. Iam aos campos em cidadezinhas e falavam para 10 pessoas e assim foram indo”, conta Santin.
Apesar de ter começado a implantar a técnica no Brasil na década de 70, apenas em 1992 o agricultor foi reconhecido pelo feito, segundo o biografo. Neste ano ele, juntamente de Manoel e Franke, fundou a Federação Brasileira do Plantio Direto e Irrigação
Como o plantio direto incentiva a vida na terra, o mato e animais próprios dela aparecem. A minhoca, inclusive, é o símbolo desta metodologia, por sua presença ser o primeiro sinal de que o solo está biologicamente ativo.
Segundo o biógrafo de Bartz, ele entendia o uso destes químicos. Para ele, quem os crítica “nunca pegou em uma enxada”, como disse uma vez para o governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, em um congresso, conta Santin.
Contudo, a técnica não exige o uso destes químicos, argumenta a filha do produtor, Marie, que também é bióloga.
“Criou-se uma imagem muito forte de que era obrigatório o uso do herbicida no plantio direto, mas isso não é verdadeiro. Existem outros equipamentos que dá para usar e conseguir reduzir o uso dos herbicidas. Mas o ser humano vai no que é mais fácil”, explica.
Segundo Marie, a princípio o único benefício associado ao plantio direto era evitar a erosão da terra, sem existir ainda a questão ambiental e até mesmo da produtividade.
Por esta razão, a fauna e a flora da terra ainda não eram compreendidas como essenciais. Hoje sabe-se que, sem elas, o sistema não atingirá seu total potencial.
“Então, houve um retrocesso no sistema, no final dos anos 90 e 2000, com muito uso dos herbicidas. A gente vem tentado comprovar com os dados da população de minhocas que isso está afetando a biologia, o uso exagerado de agrotóxicos no geral”, completa Marie.
O legado do pai
Marie cresceu observando as atividades do pai na lavoura e quando podia o acompanhava nas palestras. Entre 2018 e 2020 também tiveram a oportunidade de assinarem juntos uma coluna em uma revista em que Bartz contou diversas histórias da sua vida.
Como carreira, ela optou pela taxonomia, área voltada para encontrar novas espécies, focando em minhocas. Hoje Marie também é conhecida como a Doutora Minhoca.
Ela já descobriu uma nova espécie dentro da propriedade de seu pai e a nomeou “Fimoscolex Bartzi”, em homenagem a ele.
“Ele ficou feliz pra caramba. É uma minhoca pequenininha, mas o que vale é a intenção”, brinca Marie.
“É uma responsabilidade muito grande e um receio de não dar conta do recado”, diz, “A melhor forma de honrar o meu pai é difundir o plantio direto”.
Bartz teve outros dois filhos com a mulher, Luíza. Johann, que é formado em agronomia e atua como agricultor, e Wieland, que faleceu aos 12 anos após um acidente na lavoura.